14 novembro, 2005

POESOFIA


– POESOFIA -
Juliano de Paiva Riciardi

Um dia desses, desses que estamos por aí, caminhando em estradas de barro, com os pés descalços e a alma sossegada, quando bem de mansinho algo muito próximo implodi de repente. Um arrebento por dentro, estouro interno, tormento, desses que, nem se compreende e vem em universos...

Acabei descobrindo
o descoberto
uma abertura
no tempo
mistérios
do universo !

Foi um episódio de revelação, um fato contemplativo, subjetividade diferente, anotei a poesia que saia, o entusiasmo criativo que causei. Nem sabia o que era isso, e no caminho fui percebendo, correndo o risco, que era simples, bastava deixar deslizar as coisas da cabeça, o fluir das asas da imaginação, acordar os devaneios perdidos, aceitar as músicas das letras e abusar da dança das palavras com carinhos e rodeios...

Imaginação
de portas abertas
janelas ao vento
pronta para
bater asas
ao momento
louca desvairada
em seu movimento...

Depois fui notar que era mais, mais simples ainda. Não me importava com o ritmo, ou compasso, era a ocasião que causava inspiração. Aos poucos penetrei na alma suspeita, se era isso o que escrevia, seria mesmo poesofia ?

Seguimos
reto
mas
fazendo
curvas

No descompasso, segui meu passo, fui me conformando, confortando se ninguém lesse ou entendesse. E eu já escrevia, para mim fazia bem, para o outro, depois também...

Criando palavras recicladas
secadas no sol d`outro dia
clareai o ciclo da noite
o homem que escreve poesia

Eram motivos de vida, essas coisas que a gente inventa sem muito sentido sem muita saída. Brincar com os amigos e fazer sorrisos. Ao perceber nos acontecimentos as próprias poesias, extraindo da natureza que cria, algumas sensações que se faz em letras, palavras, frases em emoções, em ritmos feito sinfonias, em sintonias com os ciclos da minha vida...

O ciclo da Vida
A grande árvore
Solta suas velhas cascas
Recicla...
Para nascer nova-mente inteira
Na próxima estação...

Aí, nessa velha árvore parada, uma velha amiga corre, um velho mito, uma metáfora viva da vida, que se descasca de tantas máscaras e que também se renova a toda hora. Em suas mutantes formas de ser, também serão trocadas com o amortecer. Que necessita retornar ao berço e perceber o velho para se rejuvenescer, voltar a ser criança e buscar crescer...

A diferença
está na crença
de quem iguala
a vida a todos
e cresce
nasce
vive
e rejuvenesce !

Com o tempo vai notando que poesia não precisa de virgula ou ponto, mas se ele ou ela tiver, entendo que faz diferença e pronto. Pode ser nas meias palavras, nas distâncias entre elas, no traço entre uma e outra que se encontra toda a magia, a expressão da poesia tantas tentativas tentar...

Tenta-ativas
Tenta
Tenta
Tenta
Tantas
Tantas
Tontas

Pode ser que não, que nas tentativas tudo seja emendado, que o espaço faz sentido, deixando a forma ter contexto, uma poesia como desenho de texto. Joguei-me nelas, e de repente descobri que o tudo e o nada são irmãos da imaginação...

Tudo ou Nada
A existência do ser
ausente de ser
num vácuo infinito
desaparece de repente
basta acontecer

Quando procuro insistir num ser, em um cara, em um sujeito, identidade e nome próprio, me deparo com ninguém. Ser alguém, é muito fácil mas não quero ser você. Nesse infinito de idéias, se sou não sou, agora estou sendo, ofusca-me pensar ser, tenho que simplesmente ocorrer...

Crianção !
De instantes criação
pensar é agir
um só ser
acontecer...
romper...
extrapolar...
invertebrar...
interagindo...
sorrindo...
imaginar...
o mundo que queres
só você pode te dar !

O poeta é assim, cria e recria seu mundo de palavras. O vazio é seu outro aliado, quando se enche dele, surgem formas informes que parecem com coisas nenhuma. Efeito vácuo, meio oco, meio cavo...

Jovem demais
Calvo a idade
chego a um fundo branco
a vida me leva experiência
estou ficando novo.
Acaba e nasce de novo, com novos modos, sem esses módulos que depositam em nós. Nasce com outros nomes, outros novos desejos de afetos e beijos. Feito beija-flor, que de tanto rodear a sua amada planta, pousa e lhe faz carinho com a ponta de sua língua. E logo, se despede e parte a procura das outras plantas que te esperam tão femininas quanto esta...

Onde encontrarei
esta face outra vez
soprou como um vento
e se desfez...

Ao tempo, a vida é curta, na poesia ela se alonga, ela se estica, se estende sem forçar. É que poesia é meio elástica maluca, ela não se esforça pra nada, sem jeito e sem preconceitos ela só é por ela amada...

Tabus
tabuleiros
tudo uma prisão
tudo um só xadrez.

Não se deve por tabus na poesia. Proibir a poesia de nascer é mutilar mais um ser. Ela acaba de romper da ilusão, do coração do poeta que consegue descrever aquele único momento jeito. Temos que deixar os poetas escreverem suas fantasias, suas alucinações, porque sem eles e sem elas a vida ficaria sem som, tato, gosto e olfato...

Ilusão
Enquanto sonhava
pensei que vivia...
Pensei que pulava
enquanto caia...
Quando chorava
na verdade sorria...
Na verdade estudava
enquanto aprendia...
Imaginei eu parado
viajando corria...
Viajando em seu mundo
percorri os meus dias...

As poesias são devaneios, são saudades, são românticas. Mesmo num romantismo bruto, violento o poeta consegue trazer a tona seus anseios, seus fantasmas cemitérios, seus conflitos amorosos, suas guerras apaixonadas, campos de batalhas e flores...

Jardim Interno
Cravo-me em lutas
Violetas ânsias surgem
Rosas em vão
Cactos de mim
pobre floricultor

Na verdade, as palavras sempre dizem além do que parecem dizer, elas subscrevem seus sentidos através do vaivém das cooperações múltiplas das letras, de seus radicais que se transformam em preferências...

Radical+mente
Capitalismo
Capital
Capita
Capeta !

Todo pensamento tem suas ideologias, analógicas, os poetas também fazem isso de ordem imagética. Tesoura palavras e decompõe em idéias, não muito mais claras, mas costuradas com efeito, eles sempre dizem algo...

Não sei falar
o que penso.
Mas tento passar
o que sinto.

O sentir é particular, são partículas no ar, que se aglomeram e se dissolvem para transitar. Um trânsito efetivo com afeto intrínseco e extrínseco. A poesia percorre por todas as partes, para depois se completar em uma criatura que a mastiga e a devora, por dentro e por fora...

O Todo e as Partes
O todo me disse das partes
de outro ponto de vista.
Olhando as partes do todo
encontradas totalmente juntas.
Assim que o vento passa, já é outro momento, escuto o que contamina o ar e documento. A poesia escrita é um relato vivo que acende um embalo, origina um rito...

Como Vivo
Comovido
Ando
Comovido
Faço
Comovido
Falo
Comovivo
Alternando

Um embalo alternado de sem fim de alternativas que ainda não existem e podem ser percebidas. Que do medo rompe em expressão, um estouro forte no peito, ou um alegre balão...

Turbilhão
Não agüento !
Esse ponto
Não agüento !
Estoura
o medo
do arrebento
Porque se cada universo cósmico, e mar humano, tem seu subjetivo movimento. Se a passagem for para sempre, sempre estaremos a favor de uma direção de vento...

Suaves ondas

que levam

de um sentido para o outro

que vem tão mansinho

balançam

como pêndulos da vida

as vezes secas

as vezes molhadas...

É meio movimento lento de velocidade infinita, um movi mente, que sente. Um eterno retorno do espaço tempo, um duradouro continum, um philum dourado e inacabado...

Infinito horizonte
No pedal
De onde parte o vento
E nem vento contra existe
Um movimento para frente
E outro momento insiste
Tem poetas ciclistas, e artistas misturados. Filósofos esportistas, aventureiros cientistas. Loucos todos são nesse mundo complemento...

Arte + Ciências
A arte
na esquina da vida
cruzou com um cientista.
Desse encontro
Nasceu o artista.
A ciência
sentiu-se sozinha
foi falar com o artista.
E assim surgiu o cientista
Foi uma mistura genial
Do emotivo
com o racional.

O que importa é estar bem, seja de ambos os lados. Uns voam por cima outros pousam de lado. Se ver a cena fica ainda mais engraçado, um coração voador um pé assolado...


Vôo aéreo
Quando tirar os pés do chão
Segure as pontas do coração.

A mistureba de palavras dá em poesofia. Poesias filosóficas em equilíbrio e sincronia. Um pedalar constante de órgãos e maquinarias...

Biciclointeiro
Pedais
Olhos
Acento
Pernas
Guidão
Ouvidos
Freios
Mão
Raios
Cabeça
Corrente
Coração
Bicicleta
Gente
Ciclo
Relação.
Um olhar quase cego às vezes vê de tudo, pela fresta aberta num rastro mudo. Quando passo as mãos, vejo na pele o que vai além do chão ...

Olhos
O que vejo
Além do mundo
Olhos...
O que lá no fundo
Você revela
Olhos...
Infinito é seu horizonte
Olhos...
Que me mostra
Toda a vida nos
Olhos...

As vezes é muita mais que sentidos e informação. É uma pequena e grande contaminação. Estamos no meio disso tudo, como a poesia na imaginação. Um moldando o outro aos poucos...


Desenh-in-forma-ação
Cada forma
Tem seu próprio espaço-tempo
Que se transformam
No macro e microcosmos
Ao mesmo tempo...
Uma forma-deforma a outra
Com in-formação...
A ação no espaço
desenha a contraforma
e esboça a imaginação...

E no meio disso tudo e a cada momento, a mente mente os contornos tortos do universo, da Terra, do corpo, da alma que pensa. Um planeta de idéias e palavras que se mexe, remexe e deixa rastro por meio próprio, em conjunto aos meios de outros.

Mim Ambiente
Meia Gaia
Meio Mãe
Mãe da gente
Meio Terra
Meia Água
Miríades do Cosmos
Planeta mente

Mas mesmo assim, o movimento está presente sempre. Entre as palavras, entre a boca, entre o coração. O movimento da vida, nos seus momentos de graça, fantasia as angústias e realidades que não se movem muito. O sofrimento do povo, a pobreza e a luxúria do novo.

Movendo Montanhas
Então Moêmia
Entre a moela
Quantas moedas
Poucos móveis
Estou moendo
Esta macumba
Eta muamba
Entamoeba
Eta moleque ameba !


As vezes o melhor é ficar calado, mas não por muito tempo. A solidão em ocasiões faz bem. Repensarmos a vida nesses momentos nos torna recicladores de vida, de sonhos e vontades da luz.

Mar ditando
A solidão
é tão quieta
e tão pura
que escuto
nas ondas
o que meu
coração procura.

O poeta a procura de assunto faz um desenho no ar. Esquece-se no silêncio e acha o verso no inverso. No contrário e no diferente, onde se altera um do outro – alteridade.O diferente que é parecido comigo mesmo.

In-verso
Escuta esse silêncio
Esse gosto doce de limão
Essa noite com sol
Essas controvérsias
Nesses versos contra
Leia-os de olhos fechados
E verá que isso existe
Que seu sonho é realidade
Do universo que se fala
E inverso que se vive.

E ainda dizem que as coisas não são mesmo loucas. É lógica que é, o caos da lógica é a poesia em transformação. O que fica é a vida em processo de aprendizagem. De todos os lados, o sentido são muitos e qualquer conceito é pura ilusão.

O aluno do mestre
A vida me faz mestre
e sendo aluno aprendo,
que a vida tem muito pra ensinar
Que o professor aprende com os alunos
isso já sei e não sou mestre
Que se cansa de ensinar
mas não se cansa de aprender
Nas lições do dia-a-dia
me torno mestre
No exato momento
que descubro ser aluno.